sexta-feira, 4 de março de 2011

"Wikileaks deu um baile de jornalismo"

André Deak entrevista Natália Viana. Natalia Viana é uma das vencedoras da 7ª edição do Troféu Mulher Imprensa. Jornalista independente, começou na Caros Amigos, foi para Londres fazer pós-graduação e voltou de lá com contatos pelo mundo, produzindo para a BBC, rádios internacionais e The Guardian. Aqui no Brasil, edita o blog do WikiLeaks associado à revista CartaCapital. O WikiLeaks vem abalando algumas estruturas, tanto dentro de governos quanto dentro de redações. Em outra entrevista, quando perguntaram quem o WikiLeaks intimida mais, os governos ou a imprensa, Natalia respondeu: "A imprensa. O WikiLeaks não consegue substituir os governos".

Por que Globo e Folha foram os escolhidos para parceria com o WikiLeaks no Brasil?
Natalia Viana – Porque são jornais que têm uma equipe estruturada, que poderiam se debruçar sobre esses papéis de maneira ordenada, tirando dali as notícias. Tem coisas que acho que não são notícias e eles dão; tem coisas que acho que são, e eles não dão. Existem outros veículos, mas demos para o maior jornal do país, que é a Folha. E o Globo, que é de outra região, de um grupo grande também.

E se aliar a esses veículos trouxe credibilidade para o WikiLeaks também.
N.V. – Claro. Ainda há outras coisas que queremos fazer para cobrir espaços em que esses veículos não entram. Estou observando nessa segunda fase [o WikiLeaks fez uma parceria para distribuir seu conteúdo a blogs também, não apenas aos jornais acima] que os blogs não têm pernas, não têm a mesma estrutura desses veículos, o que não permite lançar – como queríamos – um documento novo por dia. Mas, ainda assim, a parceria com blogs interessa, já que há blogs específicos, de direitos humanos, que se interessam por alguns assuntos, ligados mais à esquerda, por exemplo, que os jornais não irão cobrir. Mas temos que repensar, porque se lançamos documentos sobre os quais ninguém escreve, não adianta. O que é o WikiLeaks? É um site que divulga documentos pensando na melhor estratégia para lançá-los, para que tenham maior repercussão possível. É isso que era até hoje. Agora muda um pouco, passar a produzir conteúdos jornalísticos. Mas o princípio até agora era: não adianta lançar documentos que ninguém vai ler. A ideia é ter repercussão.

Você é uma das vencedoras da 7ª edição do Troféu Mulher Imprensa. Como avalia isso?
N.V. – Fui indicada em 2005, quando estava na Caros Amigos. Naquela época, não fiz campanha nenhuma, achava que não merecia... Mas agora fiz campanha porque entendi que não é para mim, Natália Viana, mas um prêmio que mostra duas coisas: que o WikiLeaks é um veículo jornalístico – e essa é uma disputa ainda, com os veículos tradicionais. As pessoas reconhecerem que esse trabalho no WikiLeaks é um trabalho jornalístico é importante. E outra coisa é que o trabalho de uma jornalista independente pode ser considerado o jornalista do ano. Isso é inédito. Tem muita gente fazendo jornalismo independente, mas tem muita resistência ainda, mesmo nos veículos, quando você tenta vender uma pauta.

Interessante que o prêmio vem num momento em que justamente se discute a crise nos jornais, o fim da reportagem nesses veículos. Isso significa que a reportagem nunca vai acabar – pode apenas mudar de lugar?
N.V. – A gente sempre esteve fazendo jornalismo. Mesmo se não pagarem nada, faremos jornalismo. Estamos condenados a fazer isso, é só o que sabemos fazer, é isso que sou. Falo que sou jornalista de peito aberto porque é minha única opção. Fiz isso sem ganhar nada durante anos, até hoje não tenho carro. A reportagem morreu? Não morreu. Está sendo feita de milhões de outras maneiras, por milhões de outros atores. O que esse prêmio sinaliza é que o público reconhece que isso também é válido. O WikiLeaks foi lançado em 2007. Tem três anos. E deu um baile de jornalismo na imprensa mundial. É gente nova, com uma cabeça diferente.

Como você começou?
N.V. – Comecei na Caros Amigos, quatro anos. Depois ganhei uma bolsa para ir para Londres aprender rádio e nunca mais trabalhei para lugar nenhum fixo. Não me chamo de jornalista frila, me chamo de jornalista independente porque não sou uma pessoa que vai fazer uma matéria de beleza não sei para quem, ou que o editor precisa de alguém para cobrir um buraco. Eu faço minhas pautas. Pautas de interesse público, de direitos humanos, economia, pautas difíceis. Normalmente organizo alguns veículos para poder pelo menos pagar a reportagem, antes de realizar. Duas que fiz, por exemplo: fui para o norte da Índia, onde vivem refugiados tibetanos, pouco antes da Olimpíada na China. Vendi para a BBC, para uma rádio internacional e para outros. E fui para a Colômbia, onde os indígenas estão sendo massacrados no meio da guerra entre militares, paramilitares e Farc. Vendi para veículos nacionais e internacionais. Com o prêmio, acho que esse tipo de trabalho pode ser mais reconhecido.

Também comecei a trabalhar com muitos jornalistas internacionais que procuram pautas no Brasil, que precisam de contatos aqui, muitos deles dos melhores no mundo. Isso porque quando estive em Londres fiz contatos, de um percurso pessoal. Nosso jornalismo brasileiro não conversa com o jornalismo exterior. Lá é muito mais comum a figura do jornalista independente, até antiga. As empresas se tornam multinacionais, é preciso articulação internacional no jornalismo. No Brasil continua tudo fechado. É preciso se alinhar ao trabalho de jornalistas em outros países, quebrar a barreira nacional. Qualquer investigação precisa atravessar fronteiras. Do outro lado tem muito interesse, gente que pode se aliar ao Brasil. Foi assim que o WikiLeaks me encontrou. Eles queriam uma jornalista do Brasil. Por quê? O Brasil é importante.

Você está participando da criação um centro de jornalismo investigativo independente. Como é isso?
N.V. – Eu, Marina Amaral e Tatiana Merlino estamos abrindo um centro de jornalismo investigativo. É como se fosse uma ONG que faz um trabalho que outros veículos não conseguem, por falta de recursos. Por exemplo, pedofilia. É muito raro um veículo grande, ou independente, que consiga destacar uma equipe para investigar durante três meses um tema. Nós faremos. Projetos de longo prazo, de investigação jornalística, e depois fazemos parcerias de divulgação com veículos. E temos que pensar também em novos formatos – por exemplo, realizar também reportagens em quadrinhos, multimídia, coisas novas.

O texto foi publicado no Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br) e no  Jornalismo Digital (www.jornalismodigital.org)

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